E como vai isso do veganismo?

 

“Until one has loved an animal, a part of one’s soul remains unawakened.”

[Anatole France]

 

Foi mais ao menos isto.

Foi por olhar para os olhos ternurentos da Lima que para mim não fez sentido sacrificar outros animais para meu próprio proveito.

Foi por pensar nas vacas separadas dos seus filhos para produzirem leite que para mim não fez sentido continuar a bebê-lo.

Foi pelas alterações climáticas, que nos obrigam a suportar variações na ordem dos 20ºC no mesmo dia, que para mim não fez sentido continuar a comer carne de vaca (sim, os peidinhos das vacas são mega poluentes!).

E foi por tudo isso que optei por não incluir qualquer produto animal na minha alimentação.

Não vi documentários, não li livros, não li opiniões.

Fui eu, e o meu coraçãozinho mole, que decidimos.

Mas não foi uma decisão pensada e ponderada. Eu não avaliei os prós e os contras de me tornar vegana. Eu apenas decidi.

Impulsiva, como sempre.

E isso fez-me pensar muitas vezes, ao longo destas 3 semanas, se teria tomado a decisão certa.

E muito sinceramente? Eu ainda não sei se tomei.

Adorava romantizar este meu percurso e dizer-vos que foi tudo um mar de rosas.

Mas não foi. Nem está a ser.

Embora esteja a adorar esta mudança, e sinta o meu corpo mais são, é difícil p’ra caraças mudar a alimentação radicalmente. É preciso tempo, muito tempo, e paciência, para aprender a cozinhar os novos produtos.

Agora não há o chegar a casa depois das 23h00 (que me acontece 5 dias por semana) e fazer uma omelete rapidinha com queijo e atum. Não há isso. Não há opções super rápidas que me saciem e nutram.

É preciso pensar em tudo, planear muito bem as refeições, garantir que não falta nada e que recupero bem dos treinos.

E para quem trabalha oito horas por dia, treina duas e perde mais de uma hora em viagens, entre todos os outros afazeres típicos… não há propriamente tempo para este trabalho de casa.

Então acaba por ser sempre mais do mesmo: um monte de legumes no wok, mais umas leguminosas, um hidrato qualquer, tofu ou seitan, e vira. Está pronto.

E uma pessoa cansa-se. E enjoa. E há dores de cabeça. E há alturas em que nem apetece comer.

E depois é o olhar para os familiares e para o namorado e ver que eles têm que mudar as vidas deles por minha causa. Apesar de serem super compreensivos, algo tão simples como ir comer fora, que nós adorávamos e fazíamos todos os fins-de-semana, já não fazemos. Porque simplesmente não dá, não há restaurantes veganos em todas as esquinas, e a maioria dos restaurantes nem uma opção vegetariana tem.

E não me venham com o comer uma sopinha e uma salada. Eu recuso-me a pagar mais de 10€ para comer legumes e ficar desnutrida e insatisfeita!

É principalmente nestas alturas que eu repenso a minha decisão.

Vou ser mesmo capaz de não comer uma pizza com aquele queijo derretido maravilhoso? Vou ser capaz de deixar de comer um ovinho escalfado ou estrelado, que tanto gosto? E aquele bolo maravilhoso, não o vou poder comer?

Não sei, não sei se vou ser capaz. Até agora ainda não vacilei, porque não me apeteceu, porque não senti necessidade. Ou melhor, vacilei numa altura em que estava completamente esfomeada e a máquina de vending do trabalho só tinha bolachas digestivas, bolos, ou pão com queijo ou manteiga. Optei pelas bolachas e vi que tinham leite gordo.

Comi na mesma, sinceramente. E não me senti culpada por isso.

Não sei, sempre fui uma pessoa muito equilibrada, que não gosta de restrições. E eu às vezes sinto-me aprisionada, e não gosto de me sentir assim.

Isto devia ser um caminho lindo, não uma obrigação. E enquanto muitos momentos são realmente bons, em que me sinto muito mais saudável (hello mil legumes!), há outros em que não me sinto tão eu.

Quando na vida é que eu disse que não a um pastel de nata?!

Eu gosto é de ser intuitiva, gosto de ouvir o meu corpo, gosto muito de ir comer fora com a minha família, gosto muito de jantares românticos com o meu namorado.

Vou privar-me disso? Vou obrigá-los a ir comer sempre a um restaurante vegetariano?

Não, não vou. Não quero. Nem posso.

Mas também não vou sacrificar os animais. Ainda no outro dia o meu pai estava a preparar vitela e deu-me vómitos. E acordei a meio da noite ainda com vómitos. E no dia seguinte ainda estava enjoada.

Esse não é, obviamente, o caminho para mim. Voltar a comer animais está fora de questão.

Mas não vou dizer que não vou comer um ovo quando me apetecer. E muito esporadicamente, se der aquela vontade, se calhar até vou comer uma ganda pizza cheia de queijo.

Ou se calhar até não. Se calhar até vou chegar à altura e não vou ser capaz.

Mas isto é o que tenho vindo a sentir, estas emoções revoltas, e é por isso que sinto a necessidade de escrever estas linhas.

Não sei o que vou fazer daqui para a frente, mas sei que vou procurar o meu equilíbrio.

Mesmo que isso implique desiludir-me a mim mesma por não ser capaz de levar o veganismo avante, e me sinta mais fraca que os outros por isso.

Mas também corajosa, por admiti-lo.

Talvez hoje, ao escrever isto, esteja só um pouco mais negativa, mas faça o que fizer, sei que vou estar a proteger os animais e o ambiente, mas também a ser verdadeira comigo mesma.

Não sou vegana.

Não sou vegetariana.

Não sou flexitariana.

Sou apenas Ana, muito prazer!

Laranja-lima

10 comentários a “E como vai isso do veganismo?”

  1. Estava precisar de ler mesmo estas palavras 🙏 estou exatamente nesta situação e cheguei à conclusão que não vou abdicar de momentos em família por querer ser vegan, acho que não me faz bem à minha mente. No entanto, no meu dia a dia mantenho uma alimentação mais vegetariana e se tiver de comer um queijo ou um ovo vou comer, porque por vezes sinto falta deles 🙏não sinto falta nenhuma de carne nem peixe, mas os ovos sim, sinto muita falta! Acho que devemos ouvir o nosso corpo e não as opiniões alheias! Num mundo de modas somos muitas vezes levados por aquilo que os outros transmitem e não realmente por aquilo que sentimos nos fazer falta!
    Obrigado pelo teu testemunho, foi muito bom 😊

  2. Olá Ana 😊
    Antes de mais parabéns pelo teu excelente trabalho.
    Queria que soubesses que não estás sozinha, e o que estás a sentir, acho que todas as pessoas que tomem uma decisão do género sentem o mesmo.
    Eu não sou vegan, mas respeito muito quem tem a coragem para o ser. Gostava muito de ter força suficiente e ser organizada o suficiente para fazer uma alimentação só a base de plantas, mas não sou.
    Há dois anos comecei a ler mais sobre a medicina Ayurvedica e decidi cortar drasticamente no consumo da carne, estava supermotivada e naqueles primeiros tempos não comia de todo carne vermelha e durante um mês era capaz de comer uma ou duas vezes carnes brancas. Também nessa altura parei completamente de consumir produtos lacteos. O peixe continuei a comer. Obviamente também tive que aprender de novo a cozinhar porque pelo menos metade das refeições que fazia eram só a base de plantas. Durante esse tempo descobri alguns blogs/youtubes de alimentação vegan, as minhas preferidas são a deliciously ella, pick up limes e healthy grocery girl. Aprendi várias receitas novas que acho maravilhosas.
    O problema foi quando a minha rotina se alterou porque mudei de trabalho. Estive um mês em Lisboa em formação em que tinha que almoçar e jantar todos os dias fora, praticamente nunca íamos a um restaurante com uma opção vegetariana, que fará vegana. Muitas vezes nem uma opção de peixe havia. E lá está recusava-me a pagar 10 ou 15€ por uma salada que não me nutria e me deixava com fome. Comecei a sentir que nunca podia ir jantar ou almoçar fora com a minha família ou com o meu namorado, e acima de tudo sentia que os estava a privar disso. Então comecei a ceder e a introduzir novamente a carne na minha alimentação, mais para ocasiões sociais e a tentar fazer o mais possível uma alimentação a base de plantas quando estou em casa. Sinceramente não me orgulho de comer carne, não acho que nos faça assim tanta falta, se é que faz alguma e sem dúvida que o meu corpo se ressente quando eu como mais do que uma refeição com carne num curto intervalo de tempo. Mas este equilíbrio por outro lado fez -me sentir mais relaxada e não tão ansiosa em relação a minha alimentação e à minha vida social, porque não tenho que planear cada jantar fora para saber que vai haver uma opção para mim, ou não tenho que recusar ir lanchar ou almoçar ou jantar com as minhas amigas porque onde elas vão não há opções que fossem de encontro à minha alimentação. E penso que este equilíbrio é realmente muito importante.
    Talvez um dia a realidade do meio onde moro e de Portugal no geral mude e hajam mais opções vegan. Atualmente onde moro não há um único restaurante vegetariano, praticamente nenhum restaurante com opções vegetarianas e mesmo no mercado não é fácil de encontrar alimentos vegan. Com o meu trabalho passo todos os meses alguns dias fora e fico em hotéis (bons hotéis que a minha empresa reserva sempre para mim) e nunca há opções, nunca há uma bebida vegetal para substituir o leite de vaca, as mesas estão sempre repletas de enxidos, queijos, ovos mexidos, presunto, imensos bolos… Basicamente sempre que fico fora o meu pequeno almoço é duas fatias de pão de cereais barradas com um creme de barrar vegetal e chá. E fruta claro, o que era de mim se não houvesse fruta.
    Mas pronto, foi um desabafo este comentário também.
    Gosto muito do teu trabalho, estou ansiosa por ver mais conteúdo sobre alimentação a base de plantas.
    Beijinhos

    • Olá Priscila 🙂 Muito obrigada pela tua partilha. É sempre bom saber que lêem o que escrevemos e que se identificam com o mesmo. Obrigada pelas dicas de blogs e maior das sortes também para a tua jornada ❤

  3. Ah e esqueci me de referir : já ando nestas andanças há uns anos e não tenho dificuldade nenhuma com a minha vida social! Arranjo sempre opção para mim, seja em jantares de grupo, com o namorado, família ou eventos de trabalho. Passo imensos fins de semana em hotéis, cada vez mais vejo iogurtes e leites vegetais presentes, times are changing.
    Cada vez é mais fácil, não desesperes 🙂

  4. Eu também sou a favor da ausência de rótulos! Sou 99% do tempo vegan mas de vez em quando, se me apetecer um pastel de nata, ou o que seja como! E não me sinto nada culpada, o que importa é a regra, não as exceções! E não estarmos constantemente a pensar nas restrições é fundamental para a nossa saúde mental! Eu pelo menos penso assim 🙂

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