Compulsão alimentar

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Há muita gente que refere sofrer ou já ter sofrido de compulsão alimentar, mas a questão é: SERÁ MESMO COMPULSÃO?

É um tema sensível e muito requisitado nas caixas de perguntas no meu Instagram, mas convém entendermos do que realmente se trata a compulsão alimentar.

Na literatura científica, a compulsão alimentar é referida como binge-eating, sendo considerada como doença – Binge-Eating Disorder (BED) – pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders 5ª Edição (DSM-5) quando se verifica 3 dos seguintes pontos:

  1. comer até se sentir desconfortavelmente cheio/a;
  2. comer uma grande quantidade de comida sem se sentir fisicamente com fome;
  3. comer mais rápido que o normal;
  4. comer sozinho/a por vergonha;
  5. sentir nojo, culpa ou depressão depois de um episódio.

Além disso, os episódios devem decorrer, pelo menos, 1x/semana, por um mínimo de 3 meses, sendo que a sua frequência semanal determina o grau de severidade da doença:

  • Leve – 1 a 3 episódios;
  • Moderada – 4 a 7 episódios;
  • Severa – 8 a 13 episódios;
  • Extrema – mais de 14 episódios.

Num estudo epidemiológico feito com adultos norte-americanos, indivíduos com BED reportaram que a  maioria dos episódios de compulsão duravam entre 31 a 60 minutos e ocorriam, maioritariamente, entre as 19h00 e as 22h00. No momento pós-compulsão, os sentimentos mais recorrentes eram os de nojo, comer até se sentir desconfortavelmente cheio e perda de controlo sobre a ingestão alimentar.

O que muitas pessoas reportam como compulsão alimentar pode, então, ser apenas um episódio isolado, ou vários episódios num mês mais stressante, o que não significa que lhes seja diagnosticado BED.

Se for esse o teu caso, quero que saibas que não estás só e que episódios de overeating (comer mais que o costume) acontecem a qualquer pessoa, mas o importante é começar de novo no dia a seguir e não entrar numa espiral.

Mas vamos entender:

Porque acontece a compulsão?

Não há um motivo ao certo, mas os episódios de compulsão alimentar parecem estar associados a questões emocionais, sendo que as doenças de humor e ansiedade estão entre as mais prevalentes nas pessoas com BED.

95% das emoções antes de um episódio de compulsão são:

  • tristeza/depressão
  • irritação/frustração
  • ansiedade

Destas, as que acontecem num contexto interpessoal, nomeadamente a irritação/frustração e todas as emoções nesse espectro, são as que levam a episódios mais frequentes. Pessoas com BED parecem ter mais dificuldade em lidar com emoções e experiências negativas ao longo do dia, suprimindo e «ruminando» sobre o problema, ao invés de reavaliar e tentar resolvê-lo.

O ambiente que nos rodeia

Para além das emoções, há ainda a questão do ambiente, que também parece influenciar diretamente os episódios de compulsão. Não falo de clima, falo do ambiente obesogénico que nos rodeia e que todos os dias nos tenta com produtos alimentares ricos em açúcar, sal e gordura.

E porque é que esses alimentos são tão tentadores? Não é porque são viciantes, é porque despoletam mecanismos de recompensa que nos fazem querer mais e mais.

Indústria alimentar e alimentos «viciantes»

A indústria alimentar trabalha nesse sentido, formulando produtos alimentares que maximizam a palatabilidade e a recompensa. Não se limitam a pensar no sabor, mas na combinação de vários fatores: sabor, textura, cheiro e até mesmo o som durante a confeção ou consumo (sim, pensa nos cereais, por exemplo).

À exceção do café, que é realmente caracterizado como aditivo pelo DSM-5, não há evidência científica que categorize qualquer outro alimento, nutriente, aditivo ou combinação de alimentos como viciante. O que acontece são os tais mecanismos de recompensa referidos anteriormente.

Assim, pensa-se que ter acesso a uma grande diversidade de alimentos com elevada palatabilidade pode levar ao desenvolvimento de comportamentos de adição em relação à comida, pelo que uma forma de ultrapassar a compulsão alimentar pode passar por limitar o acesso a esse tipo de produtos alimentares.

Não quero com isto dizer que deves viver num cenário de restrição, mas que pode ser boa ideia não ter estes alimentos em casa, por exemplo. Ou não ter num armário ao qual acedas regularmente, por exemplo.

E que outras estratégias existem?

Para além de fazer uma «limpeza» ao ambiente que nos rodeia, seja em casa ou no escritório, tirando tudo o que são alimentos-gatilho para a compulsão, há mais coisas que podes fazer:

1. Faz uma alimentação equilibrada

Dietas demasiado restritas parecem levar a mais episódios de compulsão. Evita impor proibições em relação a determinados alimentos, pois quanto menos os “podes” comer, mais te vai apetecer.

Claro que deves optar maioritariamente por alimentos ricos nutricionalmente, como cereais integrais, leguminosas, frutas, legumes e boas fontes de proteína, mas eventualmente podes e deves incluir alimentos que fazem bem à alma, ainda que não tão nutritivos.

2. Não saltes refeições

Planeia bem o teu dia, organiza-te e leva contigo várias refeições. Fazer pequenos snacks entre as refeições principais é uma forma de controlar o apetite, evitando episódios de compulsão mais à noite.

Sabias que não é por acaso que os episódios acontecem mais na chamada «hora do lobo»? Pessoas que vivem em constante stress tem a adrenalina aumentada. Ora, esta tem um efeito direto no glicogénio hepático, que regula a nossa perceção de saciedade. Se este vai sendo depletado, chegamos ali ao final do dia sem conseguir aumentar a nossa glicemia e o nosso corpo vai pedir alimentos altamente energéticos, sobretudo os açucarados, para tentar corrigir isso.

Tens aqui várias sugestões de snacks saudáveis.

3. Aumenta a ingestão de fibra, proteína e gorduras boas

Estes nutrientes demoram mais a ser absorvidos, pelo que te vão deixar saciada/o por mais tempo. Experimenta combinar, por exemplo, nozes + maçã, cajus + laranja, iogurte (soja ou vaca) + sementes de linhaça moída.

4. Come devagar e saboreia

Quando te apetecer chocolate, por exemplo, respira fundo, cheira o chocolate, pensa no que ele te faz lembrar e, só então, coloca-o na tua boca. Não mastigues! Deixa derreter. Deixa que o paladar do chocolate se apodere das tuas papilas gustativas. APROVEITA o momento.

Esta técnica de mindful eating ajuda a controlar a vontade de continuar a comer, que tantas vezes acontece sem pensarmos.

5. Bebe água, chá ou infusões ao longo do dia

É uma forma de aconchegar o estômago e evitar a sensação de fome, diminuindo por isso o ímpeto de comer.

Se não tens este hábito, começa a levar contigo uma garrafa de água ou chá para beberes durante o dia. Coloca-a num sítio que se cruze constantemente com o teu olhar, quase que a obrigar-te a beber. Escolhe uma garrafa bonita, que também ajuda, e estabelece objetivos. Se tiveres uma garrafa de 1.5L, tenta beber até baixo do rótulo até à hora de almoço. Se for uma de 75cL, bebe duas até saíres do trabalho ou da escola.

6. Pratica exercício físico

Seja no ginásio ou numa aula de yoga, mexe-te. A prática de exercício físico liberta endorfinas, que te vão deixar com uma ótima sensação de bem-estar.

E porque é que isso importa? Porque como vimos anteriormente, estados de mau-humor levam a maiores episódios de compulsão.

7. Tem uma boa noite de sono

Dormir menos de 5h30 por noite aumenta o apetite por hidratos de carbono… e não é dos complexos, é daqueles não tão interessantes, como o açúcar. Por isso, um sono reparador é meio caminho andado para prevenir episódios de compulsão.

8. Faz um diário alimentar e emocional

Mais do que perceber o que estás a comer ao longo do dia, é importante que tenhas noção dos teus pensamentos e emoções associadas.

Escreve o que comeste, a que horas comeste, onde e com quem comeste, no que estavas a pensar e o que sentiste antes e depois das refeições, podendo mesmo acrescentar o acontecimento e/ou pensamento que te fez sentir de determinada forma.

Depois de uma semana ou um mês, vais conseguir perceber o que está a despoletar os episódios de compulsão e vais poder focar-te na sua resolução.

9. Procura ajuda

Seja de um/a amigo/a, familiar, nutricionista, psicólogo/a, médico/a de família, psiquiatra, ou até uma combinação de vários, o importante é que tenhas alguém com quem falar e que te ajude a encontrar o caminho, por muito cliché que isso soe.

Sê honesto/a! Se algum comportamento de alguém que te é próximo não te for favorável, fala! Abre o jogo. Só assim vais conseguir andar para a frente.

Espero ter ajudado e, qualquer coisa, diz 🍀

Beijinhos,

Laranja-lima

Bibliografia:

  1. Wilfley DE, Citrome L, Herman BK, Characteristics of binge eating disorder in relation to diagnostic criteria, Neuropsychiatr Dis Treat. 2016 Aug 29;12:2213-23;
  2. Kimberly A. Brownley et al, Binge-Eating Disorder in Adults – A Systematic Review and Meta-analysis, Ann Intern Med. 2016 Sep 20; 165(6): 409–420;
  3. MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS MENTAIS (DSM-5), disponível em <http://dislex.co.pt/images/pdfs/DSM_V.pdf> a 06/12/2019;
  4. Healthline, 15 Helpful Tips to Overcome Binge Eating. Disponível em <https://www.healthline.com/nutrition/how-to-overcome-binge-eating#1> a 06/12/2019.

Obrigada ao meu namorado, à Raquel Vareda (médica) e à Joana Veloso (psicóloga), que leram o meu texto antes de o publicar e que o enriqueceram com a sua opinião 💛

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