Depois de ter perguntado no Instagram que tema é que vocês gostariam que eu falasse aqui no blog, as refeições pré e pós-treino foram as claras vencedoras.
Parece que a maioria das pessoas ainda não sabe bem que alimentos ingerir para obter máximo rendimento no treino e para ver recompensado o seu esforço – seja para aumentar a massa muscular, seja para perder peso.
De facto, a alimentação pode melhorar o rendimento e a recuperação do exercício através de estratégias nutricionais bem escolhidas e individualmente planeadas¹.
Por isso mesmo, quero que percebam que as noções gerais que vos vou transmitir devem ser ajustadas ao vosso dia-a-dia e às vossas necessidades, sendo que o melhor é serem acompanhados/as por um/a nutricionista inscrito/a na Ordem dos Nutricionistas… não uma pessoa sem formação que ache que percebe imenso da coisa.
Alimentação diária
Bom, como é óbvio, as refeições pré e pós-treino são importantes, mas não são as duas únicas refeições no nosso dia, por isso convém não esquecer nem descurar o resto das refeições!
Comecemos por perceber que as principais fontes energéticas para o músculo são as reservas de gordura e de hidratos de carbono (HC).
As reservas de gordura são bastante abundantes no nosso organismo, enquanto que as de hidratos de carbono são limitadas. Por isso mesmo, de forma a rentabilizar a função muscular, é essencial que as reservas de HC sejam repostas de dia para dia.
A ingestão diária de HC vai depender do tipo de treino que o atleta realiza:
- Baixa intensidade: 3-5g/kg de peso corporal/dia;
- Exercício moderado (cerca de 1h/dia): 5-7g/kg de peso corporal/dia;
- Endurance (ex: exercício de intensidade morada a alta 1-3h/dia): 6-10/kg de peso corporal/dia;
- Compromisso extremo (exercício de intensidade moderada a alta >4-5h/dia): 8-12/kg de peso corporal/dia.
Em relação às proteínas, recomenda-se a ingestão diária de 1,2 a 2,0g/kg de peso corporal¹, o que é superior às necessidades da população em geral – 0,8g/kg/dia.
Não é por acaso que assim é, nem é por acaso que a proteína é tratada como o Santo Graal do desporto! Ela é essencial para:
- Reparar e substituir proteínas danificadas pelo exercício físico ao nível do músculo-esquelético, ossos, tendões e ligamentos;
- Manter uma função ótima de todas as vias metabólicas que utilizam aminoácidos;
- Permitir o aumento de massa muscular;
- Permitir uma função ótima do sistema imune;
- Permitir uma taxa de produção ótima de proteínas plasmáticas.
De referir que na maioria dos casos se consegue atingir as necessidades proteicas através de alimentos, não sendo necessário recorrer a suplementos!
Por último, não se podem esquecer das gorduras.
Apesar de serem os macronutrientes mais calóricos (9kcal/g), os lípidos são essenciais para a absorção das vitaminas lipossolúveis: A, D, E e K, que, de forma geral, regulam o funcionamento do organismo.
As necessidades lipídicas de um atleta assemelham-se às da população geral: 20-35% do Valor Energético Total.
Pré e pós-treino
Estes dois momentos são fulcrais, quer para obtenção do máximo rendimento durante o treino, quer para conseguir uma rápida recuperação depois do mesmo.
No momento pré-treino interessa “encher” as reservas de glicogénio, sendo que as recomendações apontam para uma ingestão de 1-4g de HC/kg de peso, 1-4 horas antes do exercício².
Os alimentos a ingerir dependem da refeição, da antecedência com que é feita em relação ao treino, e da intensidade e duração do treino.
Se a refeição for próxima da hora do treino (40-60min), convém fazer uma refeição leve, rica em HC simples (rapidamente absorvidos), pobre em gorduras e fibras, e moderada em proteína, evitando desconfortos gastrointestinais e atrasos no esvaziamento gástrico.
Se a refeição for feita com mais antecedência, então já deverá incluir HC complexos, que são lentamente absorvidos, como pão de centeio ou mistura, batata-doce, ou aveia.
Se a refeição antes do treino for uma refeição principal, então deverá ser composta por todos os elementos essenciais num prato equilibrado: HC complexos, proteína magra, gordura saudável, vegetais e fruta.
De evitar pratos pesados e culinárias fora do nosso quotidiano, pois o organismo pode reagir mal e prejudicar o treino. Se quiser experimentar uma comida diferente, mais vale ser depois do treino.
Quando o objetivo é a hipertrofia muscular e o treino é essencialmente treino de força, poderá considerar-se a ingestão de proteína de boa qualidade antes do treino (mesmo que seja uma refeição intermédia), como atum, ovos e peito de frango. O leite também tem proteína de excelente qualidade, mas é mais provável que cause desconforto gastrointestinal.
Durante o treino pode ser interessante ingerir alguns HC e sais minerais, principalmente sódio, mas atenção que não faz sentido levar uma bebida isotónica consigo se vai fazer apenas uma aula ligeira de 40 minutos!
A ingestão de HC deve respeitar o seguinte²:
- Bochechar uma bebida com HC simples se o treino for inferior ou próximo de 1 hora – a perceção do doce pelos recetores presentes na boca são o suficiente para diminuir a sensação de cansaço;
- Ingerir 0,5–1,0 g/kg/h em exercícios de intensidade moderada-alta ou intermitente de alta intensidade;
- Ingerir 80–90 g/h se esse exercício se prolongar por 2-3 horas.
Se não quiser gastar imenso dinheiro em bebidas isotónicas, pode perfeitamente beber água e comer uma banana, ou fazer uma bebida caseira com água, sumo de limão e açúcar.
No pós-treino interessa acelerar ao máximo a recuperação muscular e restabelecer as reservas de glicogénio, pelo que se deve ingerir proteína + HC.
As recomendações apontam para a ingestão de 0,24g de proteína/kg + 1-1,2g de HC/kg no período inicial de recuperação, numa razão de 1 proteína: 4 HC.
“Apesar dos hidratos de carbono pouco influenciarem a síntese proteica quando uma quantidade suficiente de proteína é ingerida, a sua ingestão poderá possibilitar um aumento de insulina (hormona anticatabólica e estimuladora da vasodilatação) e ajudar na reposição dos níveis de glicogénio muscular, ambos os aspetos com um possível impacto positivo no balanço azotado.”¹
É preciso ter em atenção não só a quantidade, mas também a qualidade, quer da proteína, quer dos HC.
Num momento pós-treino, interessa que a proteína seja de alta qualidade, ou seja, que contenha todos os aminoácidos essenciais (que o nosso corpo não sintetiza), especialmente a leucina, e que seja de fácil digestibilidade. Temos como exemplo a proteína do soro do leite (whey protein), os ovos, a carne magra e o peixe.
Quanto aos HC, convém que tenham um elevado Índice Glicémico, de forma a acelerar a sua absorção e reposição das reservas de glicogénio.
Interessa ainda relembrar que se deve evitar a ingestão de frutos gordos antes e depois do treino, pois são de digestão difícil e podem prejudicar quer o rendimento durante o treino, quer a recuperação no pós-treino. Pode optar-se, sim, por manteigas de frutos gordos, de digestão mais fácil (para algumas pessoas), como manteiga de amendoim, amêndoa e caju.
Posto isto, falta falar da hidratação e da cafeína!
“Para além dos cuidados alimentares, é fundamental reidratar convenientemente, tanto durante cada sessão de exercício como ao longo do dia, para que o rendimento seja ótimo.
O estado de hidratação afeta profundamente o rendimento físico e mental sendo que tanto a hiperhidaratação como a hipohidratação (se suficientemente severa) poderá comprometer o rendimento e representar um risco para a saúde. Mais especificamente, a hipohidratação pode reduzir o rendimento do exercício, especialmente o aeróbio, e aumentar o esforço fisiológico e a perceção de esforço em ambientes temperados ou quentes.”¹
Assim, “o Colégio Americano de Medicina Desportiva recomenda a ingestão de ≈5–7 mL/kg pelo menos 4h antes do exercício e, se o individuo não produz urina ou esta é escura ou muito concentrada, deverão ser ingeridos ≈3–5mL/kg adicionais cerca de 2h antes do evento.”
Para além da água, é de alertar para a importância do sódio, que deve ser consumido juntamente com a água quando a duração do exercício é superior a 2 horas, quando perdas significativas deste mineral (3–4g) são prováveis de acontecer, ou quando o volume de fluidos consumido é grande o suficiente para poder causar uma redução de sódio plasmático.
“Após o treino, o volume de água consumida deverá ser suficiente para repor qualquer défice no balanço hídrico (diferença entre água perdida e água ingerida) e deverá também contemplar fluido extra para compensar as perdas de água pelo suor, ar expirado e urina que se mantêm após o treino. Assim, é recomendado a ingestão de um volume de fluidos de 1,5 vezes o peso perdido durante o treino (exemplo: 1,5L para 1kg perdido), imediatamente após o treino. Para além disso, deverá também ser ingerida uma quantidade de sódio superior à perdida para otimizar a recuperação do balanço hídrico e eletrolítico.”¹
Quanto à cafeína, ela é uma grande aliada dos desportistas, conferindo diversos benefícios:
- Retarda a fadiga;
- Diminui a utilização de glicogénio muscular, poupando as suas reservas;
- Diminui a perceção e sensibilidade à dor;
- Prolonga o rendimento máximo e a concentração.
Apesar de a literatura em relação a este assunto ser inconsistente, uma revisão realizada pela Sociedade Internacional de Nutrição Desportiva³ concluiu que:
- O efeito da cafeína é mais poderoso quando consumida em cápsulas, ou pó;
- A dose recomendada é de 3-6 mg/kg, sendo que doses superiores não trazem mais benefícios;
- Deve ser ingerida 1h antes da competição, mas há quem defenda que a absorção também é garantida se for 15-30min antes.
Para suprir as recomendações, existem vários alimentos/produtos que podem ser consumidos, por exemplo:
A quantidade de cafeína aparece ao passar o rato sobre a imagem
Ideias para refeições pré e pós-treino
Como eu sei que vocês não queriam este artigo só pela parte teórica, deixo-vos então algumas ideias para refeições pré e pós treino.
Não se esqueçam que são ideias gerais e que as quantidades devem ser adequadas às vossas necessidades, daí a importância se serem acompanhados/as por uma/a nutricionista!
Pré-treino
30-40 minutos antes do treino
1. Tosta com manteiga de amendoim e morangos ou compota e banana
2. Pão de banana com manteiga de amêndoa e morangos
Receita para o pão de banana aqui.
3. Panquecas de banana
Receita para as panquecas de banana aqui.
4. Tapioca com manteiga de caju e doce de frutos vermelhos
Receita para a tapioca aqui.
1-2 horas antes do treino
5. Batido de aveia, iogurte e frutos vermelhos
6. Papas de aveia de café com fruta
7. Tostas de batata doce com manteiga de amêndoa/compota e fruta
Refeição principal 3-4 horas antes do treino
8. Massa com bolonhesa de atum e cogumelos
9. Batata-doce assada com peito de peru grelhado e tomate
Pós-treino
30-60 minutos após o treino
1. Batido de whey com leite achocolatado e banana
2. Whey com uvas
3. Barra proteica com banana
4. Bolo proteico
Receita para o bolinho aqui.
5. Papas de aveia com claras
Receita para as papas aqui.
6. Salada de batata com atum
7. Salmão com puré de batata-doce
Receita aqui.
8. Arroz de cenoura com panados de frango no forno
9. Massa com carne estufada
Mais uma vez relembro que este artigo contempla apenas ideias gerais de nutrição e desporto, sendo que as refeições ao longo do dia e nos momentos pré e pós-treino devem ser adequadas às necessidade de cada um/a!
De qualquer forma, espero gostem e que vos seja útil 🌺
Laranja-lima
P.S.: As fotografias que não são da minha autoria não têm o logótipo Laranja-lima, sendo que ao clicar na imagem será direcionado/a para o link original.
Para informações mais completas:
- Sousa M, Teixeira V, Graça P, Nutrição no Desporto, Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, Direção-Geral da Saúde, Lisboa, 2016
- Burke L. M, Fueling strategies to optimize performance: training high or training low?, Scand J Med Sci Sports 2010: 20 (Suppl. 2): 48–58
- Goldstein E. et al, International Society of Sports Nutrition position stand: caffeine and performance, Journal of the International Society of Sports Nutrition 2010 7:5, DOI: 10.1186/1550-2783-7-5
Parabéns pelo excelente artigo, bastante informativo e profissional!
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Obrigada 🙂 Espero que tenha sido útil!
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Boa noite, ótimo post. Gostava de deixar duas sugestoes:
1- por tabelas nutricionais a acompanhar as receitas que apresenta
2- Importancia da cafeina como pre-treino (ou competição)
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Olá Bernardo 🙂
Deixei de por a tabela nutricional nas minhas receitas porque prefiro que se foquem nos ingredientes em vez de darem importância apenas aos números, mas realmente neste artigo era pertinente. Querias saber a informação nutricional de todas as sugestões que dei, ou de alguma em especial?
Quanto à cafeína, ótima sugestão! Vou acrescentar ao artigo um parágrafo sobre isso 🙂
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Adorei o post, super detalhado e com imensa informação…obrigada!
Tenho só uma questão, qual a receita do batido de whey com leite achocolatado e banana? Como assim leite achocolatado?
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Olá Daniela! Leite achocolatado mesmo, do normal. É o melhor pós-treino se pode ter (proteína de qualidade e açúcares simples). Para quem estiver num processo de perda de peso, aconselho a usar leite simples.
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Eu uso leite magro, não tem problema? E o achocolatado em pó pode ser qualquer um, ou convém ser um que contenha menos açúcar? É que eu tinha ideia de que o achocolatado em pó continha imenso açúcar e que faria mal…mas estamos sempre aprender e ainda bem!
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